Isabel Capeloa Gil: "O Papa que gostava de sapatos"

Fotografia Papa Francisco

O Papa da esperança e da misericórdia, Francisco foi um homem que gostava genuinamente do contacto com as pessoas. Detinha-se para as escutar, enternecia-se com elas, sofria a sua dor, indignava-se com a sua marginalização, e para todos tinha palavras de alento. Tinha um olhar que via profundamente o ser individual de cada um, sem olhar aos seus defeitos. Era na fragilidade humana que reconhecia o rosto de Cristo e nos espaços das periferias que melhor encontrava os grandes desafios de transformação que o Evangelho coloca às sociedades desenvolvidas.

Mas o Papa Francisco foi também o Papa do sorriso e do humor. Na sua autobiografia refere-se justamente a um Deus que sorri, e encontra no humor qualidades verdadeiramente evangélicas. Ao contrário do ditado inglês que diz que “o diabo se encontra nos detalhes”, para o Papa Francisco é no pormenor que se manifesta Deus. E esse pormenor alarga-se do cuidado pelo outro ao ridículo de uma situação e, afinal, à alegria que dá sentido à vida. O olhar do Papa era um olhar de constante encantamento pela maravilha do mundo e pela diversidade das pessoas. Um episódio divertido que se passou comigo durante a Jornada Mundial da Juventude demonstra-o à abundância.

O dia era 3 de agosto, na Universidade Católica. Após uma sessão empolgante e emotiva, o Papa dirige-se para a saída e eu acompanho-o. O dia estava quente e, como é habitual na presença do Papa, vestia um fato preto discreto. Mas, apesar de tudo, era verão e o agosto de Lisboa é inclemente. Por isso, calçava umas sandálias coloridas, que cortavam a formalidade. Ao chegar ao carro, o Papa abre a janela e chama-me e, com aquele seu humor terno e desarmante, comenta com um sorriso: “Fiquei encantado por ver uma reitora com sapatos tão juvenis!” Quem estava à volta não pode conter o riso franco.

Nota: Este conteúdo é exclusivo dos assinantes da revista Visão de 24 de abril de 2025.