A viver o segundo verão de pandemia, Portugal dá sinais de um cansaço vital, que se estende da política à comunicação, da economia à saúde. Os portugueses estão cansados do vírus, do ziguezague das normas sanitárias, das verdades científicas, das fake news, do elogio e da crítica da tecnologia, do isolamento forçado, do trabalho remoto. O governo demonstra a exaustão decorrente da gestão da maior crise sanitária da época moderna e os cidadãos demonstram uma apatia interrompida apenas por explosões celebratórias - como os festejos do Sporting - ou conflituais - como o vandalismo de Mil Fontes.
Esta exaustão não é novidade na história da humanidade. Não somos, na verdade, assim tão inovadores. Na Idade Média, a acedia cordis designava um estado de letargia e ausência, uma amargura, tristeza e ausência que constituíam uma rejeição da ideia cristã de criação. No ano de Dante, interessa recordar que é a acedia o vício que, na Divina Comédia, leva o poeta ao Inferno. Modulações modernas, como o Weltschmerz dos românticos ou o ennui decadentista do final do século XIX, são construções culturais que têm em comum a necessidade de caracterizar a letargia social, a amargura e o ressentimento em épocas de ausência de ideais. Uma das mais relevantes reflexões sobre o tempo da exaustão é de George Steiner que via justamente nas raízes do ennui novecentista, nesse tempo sem ideais, quando tudo parecia ter sido conseguido, o embrião das explosões bélicas do trágico século XX.
No Portugal de 2021 parece que o tempo se completou. A normalização acrítica da lógica regulatória, a falta de inspeção, tornaram-se uma inevitabilidade da forma suave de ser português. No novo normal, a corrupção é denunciada, mas a lentidão dos tribunais e os enredos legais evitam que se faça justiça. Os centros de decisão são capturados por afinidades, não eletivas, mas partidárias, de interesses familiares. Pais e filhos nomeados para as mesmas comissões, maridos, mulheres, tios e sobrinhos, num círculo de roda que indica que o princípio da mulher de César, que não apenas tem de ser, mas também parecer, está definitivamente afastado da forma de governar e gerir em Portugal.
E porque vivemos em tempos de gestão de perceções, importa inspecionar o papel dos media na criação desta imagem de um país fechado sobre si, desastrosamente desmotivado, com pouco pão, mas muito circo. O Portugal exausto revê-se na redoma televisiva dos infindáveis telejornais das estações generalistas e embriaga-se de falsa energia nas variedades pimba das tardes de sábado e domingo.
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