A nossa sociedade do conhecimento

ICG

Num país semiperiférico face às ondas de violência que nos chegam de leste, há transformações que o tempo exige, sobretudo no tempo de um novo governo que se inicia. Na verdade, entre as alterações da estrutura de sentimento dos últimos anos, nota-se uma clara impaciência da sociedade para com as incompetências da nossa democracia e as suas ineficiências, e a perceção de um país capturado por interesses e pela lógica de determinadas agremiações.

Uma das maiores exigências das democracias é a constituição de um ordenamento jurídico, administrativo e económico que seja resistente às tentações da vontade individual de quem tem o governo das instituições. Um sistema de equilíbrio de poderes, de checks and balances, resistente ao nepotismo, mas também a um nível médio, a criação de processos e procedimentos transparentes, equilibrados, que robusteçam as instituições. As organizações públicas e privadas devem garantir mecanismos de gestão e continuidade que as tornem resistentes às pessoas que as lideram, efetivamente prevenindo a deriva de poder individual. A crescente consciência para esta matéria em fora de governança corporativa, a sensibilização crescente das organizações para a prevenção do conflito de interesses e para a introdução de mecanismos de compliance não significa que se esteja a verificar uma mudança cultural que incorpore esta realidade tanto na prática como na experiência quotidianas.

Porque na verdade, a nossa realidade diária é a de vivermos numa provinciana sociedade do conhecimento, onde tudo acontece porque se conhece alguém. Desde o jeitinho para acelerar uma marcação num serviço público, porque o escrivão de serviço é primo da colega, que por sua vez tem um filho que necessita de um empurrão para a entrevista na empresa onde o beneficiado da marcação dirige uma unidade, empresa esta que planeia crescer a partir de um forte investimento, já conversado e garantido o beneplácito do ministro do setor. Este ciclo do conhecimento transporta-se para as organizações e para a coisa pública. 

A gestão da economia, da política e da sociedade ainda está fortemente dependente deste conhecimento mútuo, que é também uma teia de promessas e obrigações. Gere-se pela lista do telemóvel.

A sociedade do conhecimento é a nova formulação do endémico provincianismo português que Fernando Pessoa tão bem diagnosticou. Imitamos as ondas externas que obrigam à regulamentação dos conflitos de interesses, mas a cultura não muda. Não há uma sustentação verdadeiramente ética da mudança, o que é tanto mais dramático porque o diagnóstico não é novo e está feito. E apesar de todos os avisos, uma gestão feita de primos, tios e amigos aproxima cada vez mais o governo da coisa pública de uma empresa familiar.

Dizia Pessoa, que para combater o provincianismo só há uma terapêutica, que é saber que existe. Convivemos com a nossa provinciana sociedade do conhecimento todos os dias, mas não basta saber que ela existe. É urgente combatê-la, mas porque o sistema é centenário, dificilmente a mudança virá apenas de cima. A sociedade do conhecimento combate-se nas escolas e apenas estará vencida no dia em que a atribuição do médico de família não dependa, também, da boa vontade do sr. José da secretaria.

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