Isabel Capeloa Gil ao DN: "O dia em que a guerra parou"

ICG

22-02-2022 não é o feliz dia dos 2, mas o dia em que a guerra começou. Para a geração que cresceu num continente europeu em tempo de paz, a guerra constitui um evento distante no tempo, na geografia, na etnia. A guerra é o evento distante que afeta os outros. Os que não são como nós. Os de raça diferente, religião diversa, costumes distantes e exóticos. Os que são belicosos e, portanto, pouco civilizados. A guerra pertence aos bárbaros.

Num mundo hipersofisticado em que a realidade parece ser um efeito secundário dos artifícios do metaverso, a Europa que se autodestruiu há quase cem anos, habituou-se ao seu cordão sanitário. A sua cultura e economia do bem-estar, o respeito pelo Estado de direito, pela democracia e pela dignidade das pessoas deram-lhe um sentido - falso - de inviolabilidade. A Europa quer ser o espaço do acolhimento dos exilados, dos refugiados, o continente confiante na sua superioridade moral. Aprendendo com os erros do passado conflitual, queremos ser plataforma de contacto e abertura. Mas não o conseguimos. Habituámo-nos, com sobranceria, a ver a guerra na televisão, no cinema. A distanciá-la da vivência do nosso seguro e feliz quotidiano. A roçá-la quando interpelados pelo olhar ferido do exilado, de quem imediatamente nos afastamos. Somos, afinal, hipócritas.

O conflito que hoje se agiganta no leste da Europa é diferente da latência conflitual, supostamente fria, que marcou a geoestratégia global no pós-II Guerra Mundial. É diferente dos focos de tensão fratricida que o nacionalismo da Europa belicosa sempre acolheu. Esta guerra quente mata e destrói europeus como nós e poderá mesmo chegar até nós.

Aprendemos afinal pouco. Depois da catástrofe de 1939-45 veio de novo a inocência. A União Europeia é um projeto de paz que nasceu em Roma, mas tendo latente o espírito de Munique. Talvez o destino do continente seja mesmo feito de uma oscilação entre a violência bárbara e a inconsciência inocente que leva os sonâmbulos na direção de um novo ciclo de violência. Para se ter paz, é necessário garanti-la, conciliando habilidade diplomática com níveis adequados de investimento em segurança. O mais poderoso bloco económico do mundo, a União Europeia, não soube ganhar a paz. A Rússia de Putin, pelo contrário, porque perdeu a paz, tem de ganhar a guerra.

No dia em que a guerra começou, vivemos os pequenos momentos da vida com a desatenção da rotina, tomámos decisões, planeámos o futuro. Nos telejornais ouvimos com displicência que a Rússia enviou uma "missão de paz" para a Ucrânia, que os Estados Unidos vão aplicar duras sanções, que a NATO colocou a sua força de reação rápida em prontidão máxima, que a Alemanha cancelou o Nordstream2. Afinal, são apenas singularidades de mais um dia. O dia em que a paz acabou.

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