Entrevista de Isabel Capeloa Gil à Visão

ICG

A primeira pergunta não é para a reitora, é para a investigadora: a que se deve esta voragem humana pelo conhecimento?

O conhecimento é um processo que tem como objetivo a melhoria das condições de vida, estando estas não apenas centradas no ser humano mas também no respeito pelo ambiente. Não numa lógica predatória, de imposição à Natureza, mas de compreensão daquilo que são os fenómenos naturais. Costumo citar Francis Bacon, que esteve na origem do método experimental do século XIX: ele dizia que a função da Ciência era melhorar a condição humana e, portanto, não contribuir para a destruição. É verdade que, às vezes, perdemos um pouco este horizonte. Ainda há pouco lia uma afirmação de Margrethe Vestager, a comissária europeia para a concorrência, sobre a necessidade de interagirmos essa melhoria no que se refere aos processos de desenvolvimento de Inteligência Artificial, a qual, se não for bem utilizada, pode ter um efeito absolutamente danoso.

Na pandemia, a Ciência, com todos os seus avanços e recuos, esteve muito presente no dia a dia. Isto permitiu reforçar a sua importância?

Sim, sobretudo porque foi uma demonstração clara de que as instituições científicas, as universidades, os laboratórios, as grandes empresas e as farmacêuticas estavam preparados para produzir produtos que tiveram um efeito de mitigação e de combate à pandemia.

A colaboração entre os cientistas tornou esse processo inédito?

A Ciência, por natureza, é colaborativa e cosmopolita. Há uma lógica política das nações que não é a lógica dos cientistas. No século XIX, Goethe já dizia que não existe Ciência patriótica. E isto é interessante, porque os projetos das universidades, sobretudo na universidade moderna que nasceu do modelo alemão, estão muitos ligados à afirmação da Nação. Claro que as instituições científicas são um poderoso acelerador da capacidade de projeção do poder dos países, mas a prática científica faz-se de forma comunitária, através da interação e da colaboração. Quer a União Soviética quer o Estado nacional-socialista utilizaram os mecanismos da Ciência para processos de manipulação do conhecimento, para fins contrários ao que são estes princípios...

Do bem comum?

Exato, do bem comum.

Escreveu há pouco um artigo sobre como a experiência da pandemia veio reforçar a importância do contrato social. Vê sinais deste recentramento?

Vivemos num tempo em que é muito fácil pôr a circular narrativas falsas, que têm o efeito de descredibilizar, causar a incerteza, aprofundar a ansiedade das populações. Mas, nos momentos de crise, é absolutamente essencial reafirmar aquilo que são os princípios básicos do contrato social e do respeito pelo Outro, os valores essenciais das sociedades democráticas. Tem muito que ver com a tal prossecução do bem comum. Tivemos situações extraordinárias na sociedade civil como, por exemplo, a dinâmica criada por um grupo de jovens que, durante os surtos nos lares, se organizou para acompanhar os idosos, quando as equipas dos cuidadores estavam contaminadas.

Que papel podem ter as universidades, além de contribuir para o conhecimento?

A universidade é uma instituição central para a coesão das sociedades, porque capacita profissionais mas também educa cidadãos. Aliás, só formando pessoas é que podemos ter profissionais competentes. Formar pessoas significa fornecer-lhes os instrumentos para poderem gerir a própria vida com espírito crítico, terem a capacidade de eleger os seus caminhos, as competências para poderem escolher, de forma responsável, aquilo que vão ser ao longo da vida. Aquele discurso de que os indivíduos estão ao sabor das decisões dos outros é terrível: o “eles” – o governo, a igreja, a empresa... – é uma expressão retórica terrível na Língua Portuguesa. Somos cocriadores do nosso destino.

Nota: Pode ler o artigo na íntegra na edição impressa da Visão de 7 de outubro de 2021.