Falar de humanismo nos dias que correm parece ser exercício para académicos ou para filósofos. O termo acarreta uma carga intelectual que a maioria desconhece e muitos da minoria restante rejeitam, por desconhecimento ou ativismo. Na moda está aliás a crítica do humanismo e do seu étimo demoníaco - o humano - em nome justamente da afirmação do não humano, seja ele o animal, a natureza ou a máquina. O interessante é que o louvor do não humano se faz com uma linguagem que nada mais faz do que aplicar características humanas a esses outros. A gramática chama a tal ato personificação e somos diariamente confrontados com esta gesta. Os programas eleitorais e os placards das campanhas querem "dar voz aos animais, às pessoas e à natureza", ao mesmo tempo que clamam contra a toxicidade do ser humano. J.M. Coetzee no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel da Literatura comparou a condição humana no tempo da exaustão planetária à de um novo Robinson, sozinho num mundo selvagem, "com possibilidade de perecer e sem esperança de salvação".
Mas não chegou ainda a última hora. Malgrado o adiantar do relógio do fim do mundo. A crise climática e a exaustão do planeta são evidências e não meros princípios. Do mesmo modo o respeito pelos animais, pelo seu conforto, constituem realidades que nenhuma sociedade desenvolvida deve, em consciência, questionar. Acoplada a esta evidência postula-se, contudo, uma celebração do inumano, do pós-humano, fundada numa crítica radical do humanismo. É certo que o humanismo como doutrina idealista que cola o desenvolvimento intelectual e estético à superioridade moral foi abalado, senão destruído, pela barbaridade do século XX. Com Auschwitz, o humanismo separou-se da humanidade. Mas, na verdade, o humanismo excede a sua apropriação pelos discursos do tempo. É justamente dessa dimensão que excede os limites da prática intelectual, que vê o humanismo como exercício crítico de afirmação da dignidade da pessoa em diálogo com o mundo, que surge a exigência de um novo humanismo.
O novo humanismo salienta a centralidade da pessoa sem a reduzir a um essencialismo individualista, exerce-se numa cultura de diálogo cultural, na relação com o planeta como nossa casa comum, na proposta de uma cultura do acolhimento dos mais frágeis, de uma economia com crescimento solidário, de sociedades que garantam a igualdade de todos perante a lei, que defendam os valores da democracia. Não reduz o ser humano à animalidade nem o quer substituir pelo seu companheiro animal, pugna pelo direito das pessoas à vida digna. Com um olhar crítico sobre os desmandos da história, os traumas e as imperfeições, mas acreditando com confiança que melhor é possível. É sempre possível.
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